Por Marcus Ramone - UHQOs quadrinhos são generosos na tarefa de levar para os gibis os heróis - superpoderosos ou não - nascidos nas páginas de um romance ou conto literário.Muitos desses personagens estão até hoje, em maior ou menor nível de popularidade, protagonizando aventuras em HQs e agradecendo aos gibis o fato de continuarem resistindo à atração implacável do buraco negro do esquecimento.
Zorro, criado por Johnston McCulley, em 1919, para um conto publicado na revista All-Story Weekly; Aranha, criação de Harry Steeger, em 1933; e Conan, surgido, em 1932, da imaginação do escritor Robert E. Howard, são alguns dos que devem aos quadrinhos, em grande parte, a menção de seus nomes na cultura pop atual. E nesse rol há outras figuras não muito comentadas - e não menos importantes no cenário -, como o herói espacial Buck Rogers (1928), de Philip Francis Nowlan, e os guerreiros Solomon Kane (1928) e Kull (1929), de Robert E. Howard.
Mas é ainda maior a lista dos heróis que fizeram - e continuam fazendo - o caminho inverso, saindo dos gibis para viver nos livros de prosa as aventuras que pareciam possíveis ser vistas apenas com a ajuda de desenhos e não por meio da particular interpretação visual que a imaginação de cada leitor produz.
Nos Estados Unidos, os contos e romances estrelados por super-heróis dos gibis são uma realidade consolidada, em décadas de lançamentos de livros por uma grande quantidade de editoras e que, a partir dos anos 1970, virou uma indústria tão prolífica quanto lucrativa.
Casamento feliz
Dentre tantos pioneirismos atribuídos a Flash Gordon, cabe à criação de Alex Raymond o título de primeiro herói dos quadrinhos a ganhar uma adaptação literária.
Isso aconteceu em 1936, apenas dois anos depois de a série de tiras do personagem estrear nos jornais. Flash Gordon in the Caverns of Mongo foi creditado a Raymond, mas é provável que, a exemplo de outros livros - como os da série em seis volumes lançada pela Avon Books, em 1973, assinados por ele, mas escritos, de fato, pelo romancista de ficção científica Ron Goulart -, o verdadeiro autor seja outro.
Em 1944, foi a vez do Fantasma, de Lee Falk, estrear na literatura. Lançado pela Whitman Publishing, The Son of the Phantom, escrito por Dale Robertson, foi uma adaptação da HQ Childhood of the Phantom, publicada originalmente em tiras diárias de jornal.
O Espírito-que-Anda ganhou muitas adaptações literárias nas décadas de 1970 e 1980, mas foi saindo de cena aos poucos, nos anos 1990. Depois de muito tempo fora do circuito, Fantasma voltou em 2007, numa série de contos inéditos, pela Moonstone Books.
Antes de tudo isso, em 1942, aquele que, em pouco tempo, iria se tornar o mais famoso super-herói dos quadrinhos debutou nos livros com The Adventures of Superman, de George Lowther.
A publicação marcou não apenas a primeira incursão de um personagem da DC Comics na literatura, mas iniciou um casamento que, ao longo dos anos, resultou em ocasionais lideranças nas listas dos livros mais vendidos e prêmios a autores e obras - como Batman & Superman - Enemies & Allies, de Kevin J. Andersen, que, em 2010, venceu o Scribe Award, oferecido pela International Association of Media Tie-In Writers. Nos últimos tempos, essa união tem ganhado novos contornos. Atualmente, há romancistas de variados gêneros literários - como Greg Cox, na ficção científica - que passaram a escrever livros sobre super-heróis. Assim como existem escritores que se tornaram roteiristas de quadrinhos - Stephen King (Vampiro Americano, A Torre Negra) e Brad Meltzer (Lanterna Verde, Crise Infinita) são apenas alguns dos nomes mais proeminentes que atuam nas duas áreas.
Da mesma forma, roteiristas de HQs há muito tempo vêm se aventurando a escrever romances estrelados por esses personagens.
Por trás desse sucesso estão as duas maiores editoras de quadrinhos do mundo, que não se furtam de levar para o segmento literário - por intermédio do licenciamento de seus personagens - a acirrada disputa de mercado que travam nos quadrinhos.
DC versus Marvel
Eles são os principais super-heróis dos gibis, conhecidos mundialmente e símbolos icônicos de muitas gerações de aficionados. E pertencem às editoras Marvel e DC Comics, gigantes do segmento.
Não é à toa que Superman, Batman, Homem-Aranha, X-Men e vários outros personagens das duas publicadoras monopolizam as versões literárias dos supertipos fantasiados dos quadrinhos.
Uma dessas obras se acomodaria facilmente em lugar de destaque numa hipotética lista definitiva dos melhores livros de ficção científica lançados nas últimas décadas.
The Last Day of Krypton, de Kevin J. Anderson, publicado em 2007, pelaHarper Collins, é um calhamaço de 496 páginas, em capa dura, que conta em pormenores o dia a dia do fascinante planeta de origem do Homem de Aço e os momentos derradeiros daquele mundo envolto em intrigas políticas, traições e uma iminente catástrofe.
Superman é título de uma variada gama de contos e romances de literatura. O personagem acumula uma extensa milhagem nos livros, protagonizando desde tramas originais, como Miracle Monday(Warner Books, 1981), de Elliot S. Maggin, a reinvenções de sua origem - It's Superman! (Chronicle Books, 2006), de Tom De Haven -, passando por adaptações de longas-metragens - Last Son of Krypton (1978), por Elliot S! Maggin, e Superman III (1983), de William Kotzwinkle, ambos pelaWarner Books -, além do prequel de Superman Returns (Strange Visitor, Little, Brown Young Readers, 2006), de Louise Simonson, e a novelização de episódios de Smallville, na série de oito volumes lançada pela Aspect, em 2002. Na década de 1990, na esteira do sucesso do seriado televisivo Lois & Clark, ele estrelou uma série de adaptações de alguns episódios - que contou, dentre outros autores, com o quadrinhista Roger Stern - e dois romances originais, escritos por Michael Jan Friedman e C.J. Cherryh's, respectivamente.
O Homem de Aço também esteve presente na coleção encabeçada pela Liga Justiça, lançada pela Pocket Star Books, em 2004, que tem os títulos Justice League of America: Exterminators, de Christopher Golden; Superman: The Never-Ending Battle, por Roger Stern; Wonder Woman: Mythos, escrito por Carol Lay; Batman: The Stone King, assinado por Alan Grant; Flash: Stop Motion, de Mark Schultz; e Green Lantern: Hero's Quest, por Dennis O'Neil.
Mas nenhum personagem da DC ou da Marvel viveu tantas aventuras literárias quanto o Batman.
Como exímio detetive, sem superpoderes e ambientado em um universo repleto de crimes, terror e loucura, o Cavaleiro das Trevas tem sido protagonista de uma imensa lista de livros de thriller policial e suspense.
A coleção The Further Adventures of Batman (Bantam Books), iniciada em 1989, mostrou o personagem e seus companheiros de vigilantismo de Gotham City numa série de várias edições compostas por contos, a maioria deles escrita por autores que nunca haviam criado histórias de super-heróis.
Com esses mesmos temas, pontuados por um ou outro lançamento em que Batman atua fielmente como um herói que luta contra supervilões, também foram publicados, dentre os mais destacados,The Ultimate Evil (Warner Books,1995), de Andrew Vachss, Dead White (Del Rey, 2006), por John Shirley, e Inferno (Del Rey, 2006), de Alex Irvine.
Ele também participou da coleção DC Universe, publicada pela Grand Central Publishing, em 2006, que trouxe os livros Last Sons, por Alan Grant, com a participação do Homem de Aço, do Caçador de Marte e do "maioral" Lobo; Superman - Trial of time, do romancista e roteirista de quadrinhos Jeff Mariote; Helltown, de Dennis O'Neil, estrelado pelo Cavaleiro das Trevas; e Inheritance, por Devin Grayson, com Batman, Aquaman e Arqueiro Verde.
Pela Marvel, X-Men e Homem-Aranha lideram o ranking de incursões na literatura, com uma pequena vantagem para os mutantes.
Ainda no final dos anos 1960, quando os heróis da "Casa das Ideias" começaram a pipocar da mente de Stan Lee, Vingadores e Capitão América chegaram às páginas dos livros, em duas edições da Bantam Books.
Apesar de muitos títulos lançados durante as décadas de 1970 a 1990, os anos 2000 se tornaram um período mais efervescente para os super-heróis da Marvel, impulsionado pelas produções cinematográficas estreladas por eles - o mesmo aconteceu com a DC, cujos filmes Aço, Superman - O retorno e Batman Begins, dentre outros, foram adaptados para a literatura.
Todos os filmes de Hulk, Motoqueiro Fantasma, Homem de Ferro, X-Men e Homem-Aranha ganharam novelizações pela Del Rey. A de Blade saiu pela Black Flame. A do longa-metragem do Demolidor chegou às livrarias pela Onyx. E a Pocket Star Books lançou as de Elektra, Justiceiro e Quarteto Fantástico.
A Pocket Star Books também é responsável por uma das melhores séries de livros de super-heróis da Marvel, lançada em 2005, que apresentou títulos como X-Men: Curse of the Mutants (Victor Gischler),Spider-Man: The Darkest Hours (Jim Butcher), Fantastic Four: Doomgate(Jeffrey Lang), Wolverine: Election Day (Peter David), Spiderman and Fantastic Four: Doom's Day (Eric Fein), Daredevil: Predator's Smile(Christopher Golden) e os Supremos em The Ultimates: Against All Enemies (Alex Irvine), além de outros lançamentos.
Sagas em prosa
Algumas das grandes sagas dos quadrinhos de super-heróis não se limitaram às páginas dos gibis. Muitos desses importantes eventos também foram adaptados em prosa.
Em 1993, a Bantam Books apostou nessa ideia e lançou Superman: Doomsday & Beyond, de Louise Simonson, com ilustrações de José Luis García-López e Dan Jurgens. O romance, direcionado ao público jovem, narra a saga da morte de Superman, a partir da chegada de Apocalypse, até o confronto do Homem de Aço com o monstro alienígena e os fatos posteriores - como o funeral e o surgimento de quatro superseres reivindicando para si a verdadeira identidade do herói.
Esse também foi o conteúdo de The Death and Life of Superman (Bantam Books, 1994), por Rogern Stern. Ao contrário do outro livro sobre o mesmo tema, este abordou a trama em um estilo voltado para leitores adultos.
Pela mesma editora, em 1994, Knightfall (A Queda do Morcego) foi adaptada por Dennis O'Neil, recontando a saga da derrocada de Batman e a substituição do homem por trás do manto do herói.
Terra de Ninguém foi outra famosa saga de Batman que virou livro. No Man's Land (Pocket Star Books, 2001), chegou com quase 500 páginas escritas por Greg Rucka, mostrando o que aconteceu a Gotham City depois dos eventos de Terremoto.
Mas essa lista de adaptações não estaria completa se os megaeventos envolvendo todo o universo de super-heróis da DC não houvessem chegado aos livros.
A primeira e grande saga da editora, Crise nas Infinitas Terras, foi lançada em livro pela iBooks, em 2005, escrita por Marv Wolfman.
Logo depois, pela Ace Books, o novelista Greg Cox - também especialista em adaptações literárias de seriados de TV - narrou em uma série de livros as sagasCrise Infinita (2006), 52 (2007), Contagem Regressiva (2009) e Crise Final (2010).
E se ainda falta à Marvel levar seus grandes crossovers para a literatura, isso será resolvido mais cedo do que se esperava. Em junho de 2012, Guerra Civil, escrita por Stuart Moore, aportará nas livrarias dos Estados Unidos.
O livro marcará o início de uma nova coleção literária da Marvel, que adaptará os melhores arcos e sagas dos quadrinhos da editora.
Brasil
As opções são muitas e variadas. Além dos personagens Marvel e DC, há diversos heróis de outros universos editoriais que agregaram ao seu currículo a participação em livros de contos ou romances.
Juiz Dredd - em tramas originais ou na novelização do filme lançado em 1995 - Darkness, Witchblade (como em Demons, escrito por Mike Baron e lançado pela iBooks, em 2002, além de outras edições baseadas na série de TV da heroína), Spawn - que a Avon publicou em 2007, numa adaptação de Rob MacGregor para o longa-metragem da Cria do Inferno - e os super-heróis da série Rising Stars (em três volumes escritos por Arthur Byron Cover e publicado pela iBooks) são alguns deles.
Também não podem ser esquecidos os super-heróis que jamais chegaram aos quadrinhos, mas foram neles inspirados para a criação dos personagens de Who can save us now? (Simon & Shuster, 2008), coletânea de contos escritos por vários autores, e do polêmico Hero(Hyperion Books, 2007), de Perry Moore, protagonizado por um jovem gay dotado de superpoderes. Mas apenas uma parcela ínfima desses títulos foi publicada no Brasil.
No início da década de 1990, a Abril tentou emplacar no País a sérieThe Further Adventures of Batman, com o nome Contos de Batman. Foram somente quatro volumes, todos com menos páginas do que os da versão norte-americana. E o motivo é simples: cada edição reduziu até metade dos contos publicados nos respectivos títulos originais. A Abril também publicou, ainda nos anos 1990, uma edição de Contos do Super-Homem (The Further Adventures of Superman), por vários autores, e o romance Super-Homem - Morte e Ressurreição (Superman: Doomsday & Beyond), de Louise Simonson.
Apesar da boa qualidade das obras - tirando o péssimo tratamento que a Panini dispensou à gramática na tradução -, o projeto não vingou e os leitores adiaram a oportunidade de conferir outros títulos da coleção em português.
A grata surpresa para os fãs de literatura e quadrinhos aconteceu em 2012, quando a Mythos trouxe ao Brasil, diretamente da Itália, duas obras estreladas pelos heróis mais famosos da Sergio Bonelli Editore:Tex - A história da minha vida, escrita por Mauro Boselli, e Zagor - Os muros de Jericho, de Moreno Burattini. O livro do caubói mais longevo dos gibis é uma "autobiografia" que não foge às características do personagem nas HQs e está à altura de qualquer bom romance de bangue-bangue.
Com uma levada mais aventuresca, embora com todos os elementos clássicos do western, o livro de Zagor - o mais super-heroico dos personagens bonellianos - também mantém o pique dos quadrinhos.
E para quem imagina que apenas heróis dos gibis norte-americanos e italianos ganharam versões literárias no Brasil, duas heroínas clássicas provam o contrário.
Velta e Nova são as estrelas de dois livros de bolso lançados, respectivamente, em 2003 e 2005, escritos pelo próprio criador das personagens, o paraibano Emir Ribeiro. As obras adaptam as primeiras HQs da superdetetive e da androide. Diante do vasto material publicado lá fora, as honrosas exceções de livros de heróis dos quadrinhos lançados no Brasil não minimizam o fato de que os leitores andam perdendo excelentes obras que, literalmente, não estão no gibi.
Resta esperar que as editoras brasileiras voltem a investir nesse nicho.